34º Domingo do Tempo Comum – SOLENIDADE DE CRISTO REI

34º Domingo do Tempo Comum – SOLENIDADE DE CRISTO REI

UM REINO PREPARADO PARA NÓS

33

I. INTRODUÇÃO GERAL

Ao longo do ano litúrgico fizemos a experiência com Jesus que veio “para servir e não para ser servido”. Hoje celebramos a sua elevação à condição de rei. Todos os espectadores da crucifixão esperam que Jesus se livre da cruz, pois é isto que faria qualquer um dos poderosos desse mundo. A prova da realeza ou do poder de Jesus seria o fato de safar-se da cruz. Mas o Reino do qual Jesus é rei, não é deste mundo, isso significa que a autoridade dele não vem da terra. É um reino diferente, não estabelecido pelas forças das armas, mas com outro tipo de poder, a saber, a doação da própria vida na cruz para nos libertar do pecado e da morte. Nós já participamos do reinado de Jesus Cristo. E enquanto esperamos sua plenitude no fim dos tempos, devemos nos comprometer com seus valores, vivendo o “já” e o “ainda não” desse reino que irrompeu na história.

 

II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

1.  Evangelho (Lc 23, 35-43): Lembra-te de mim no teu Reino

O trecho do evangelho de hoje nos mostra Jesus sendo crucificado entre dois malfeitores. Lucas o apresenta com traços típicos de um mártir que, com sua fidelidade e força de oração, obtém a salvação para seus perseguidores.

Durante todo evangelho de Lucas, os que se encontravam com Jesus eram compelidos a fazer uma escolha: aderir ou rejeitar Jesus. Na hora de sua morte, ponto crucial do evangelho, o leitor é convidado a fazer sua escolha. Também aparece aqui duas mentalidades que perpassaram todo o evangelho, duas maneiras de compreender o messianismo de Jesus. Entender a missão de Jesus é essencial para poder aderir ao seu projeto salvífico. São dois ladrões que representam duas compreensões messiânicas.

O primeiro ladrão representa aqueles que concebem um Messias dotado de poderes prodigiosos, que deveria descer da cruz e libertá-los com Ele. Assim, seria mais espetacular seu triunfo.

O outro ladrão é o oposto, pois reconhece em Jesus o enviado de Deus, um justo que não merecia estar ali. Este, pede que Jesus se recorde dele quando estabelecer seu reino no momento “escatológico” (fim dos tempos).

A resposta de Jesus, suas últimas palavras, acentua o “hoje” de Deus: “Hoje estarás comigo no paraíso”. Quem acolhe Jesus participa de forma definitiva da vida em Deus, não em um futuro distante, mas no hoje. Ou seja, o futuro escatológico da salvação plena já está presente. O paraíso não é um lugar, mas participação na felicidade com Cristo (cf. Fl 1,23). Lucas prefere não identificar o reino geograficamente, pois se faz “dentro” de cada um (17,21). O Reino começa a acontecer na vida daquele que acolhe Jesus e se deixa conduzir por ele. Estar com Jesus não significa simplesmente estar em sua companhia, mas participar de sua realeza.

Na cruz, Cristo aparece dispondo, ele mesmo, da sorte eterna de um homem. E isto é poder de Deus. Em Jesus se manifesta todo o amor de Deus que desce ao nível mais baixo para elevar a si a criatura humana. Esse é o poder do amor.

 

2. I Leitura (2Sm 5, 1-3): Rei e pastor

Os anciãos, ou seja, os líderes das tribos de Israel reconhecem Davi como escolhido de Deus para “apascentar” e “chefiar” o povo. São esses os critérios para a escolha de Davi como “rei” de todo o Israel: (1) parentesco entre o rei e o povo (são uma só carne e ossos), isto é, o monoarca vai agir com a mesma preocupação que um pai de família tem para com seus filhos; (2) experiência para defender as tribos contra os inimigos; (3) e principalmente, reconhecimento dos sinais divinos de que Davi fora escolhido por Deus para essa função de líder.

Em vez do verbo “reinar”, o texto de 2Sm 5,2b usa o termo “apascentar” ou “pastorear”, da mesma raiz (hebraica) de “acompanhar” e de “ser amigo”. A tarefa principal do “rei” é proteger, além de conduzir e de cuidar. Conforme Ez 34,23, o vocábulo “pastor” era aplicado aos reis. O texto litúrgico também destaca que Davi será “chefe”, no sentido hebraico isso significa que ele terá autoridade limitada e estará subordinado a outro poder, pois somente Deus é rei sobre Israel. A liderança era carismática, ou seja, escolhida por Deus, e o poder era exercido como representatividade.

O líder de Israel jamais seria um rei no sentido próprio do termo, mas um mediador entre Deus e o povo. E sua principal função era assegurar a realeza de Deus sobre as pessoas. Em relação ao povo, a mediação consistia em promover o bem-estar de todos por meio do exercício da justiça e da defesa militar. Em relação a Deus tratava-se, principalmente, de promover a obediência ao propósito divino expresso na aliança.

A verdadeira realeza, de Deus, tornava condicional a função do chefe do povo. O líder de Israel recebia a missão de governar, através de uma eleição popular unida à unção divina (um oráculo profético). Dessa forma o líder de Israel era escolhido por Deus e pelo povo.

Considerando-se que o único rei de Israel era Deus, a liderança tornava-se, também temporária. O rei poderia ser deposto a qualquer momento caso não exercesse adequadamente as funções para as quais tinha sido escolhido.

 

3. II Leitura (Cl 1, 12-20): O Reino de seu Filho bem amado

Esse hino da Carta aos Colossenses é um dos mais antigos cânticos de ação de graças do Novo Testamento. Muito anterior à própria Epístola na qual hoje se encontra, era cantado durante a celebração da Fração do Pão, modo como a Eucaristia era chamada antigamente.

Como um dos hinos mais importantes do Novo Testamento, exalta a ação de Cristo como mediador da redenção e da nova criação e sua atuação no mundo em todos os tempos. A ressurreição de Cristo ocupa papel central, ela faz a conexão entre o senhorio de Cristo sobre a história, sobre o cosmos e sobre a igreja.

A afirmação inicial é que Deus fez um ato de libertação, quer dizer, resgatou a humanidade de uma situação de opressão, identificada com a expressão “império das trevas” ou “tirania das trevas”. Esse resgate implica num traslado que foi feito de uma tirania para o reino de seu Filho bem amado. Essa metáfora era repleta de sentido naquela época, já que uma situação oposta era muito corriqueira: ver uma multidão de pessoas sendo levadas cativas de um reino a outro.

O reino é descrito como pertencendo ao seu Filho bem amado, ou numa tradução literal, “Filho do seu amor”, ou seja, em quem Deus depositou todo o seu amor. Esse reino, assim descrito, é poder de Deus em ação a favor da humanidade por meio da vida de Cristo.

Esse traslado significa que o reino irrompeu na história, então não devemos esperar o final dos tempos para participarmos dele. Mas essa participação exige do ser humano um compromisso radical que poderá trazer conflitos com os antivalores do mundo.

Estamos esperando o pleno desabrochar do reino no fim dos tempos, mas a celebração de hoje nos exorta que já estamos no reino de Deus. Temos que viver o “já” e o “ainda não” de sua plenitude.

 

III. PISTAS PARA REFLEXÃO

O presidente da celebração poderia chamar a atenção da assembleia para dois aspectos principais da liturgia de hoje:

– o sentido da autoridade de Jesus e dos cristãos que diferente daquela praticada pelos poderosos desse mundo. O poder de Deus e de seus representantes está vinculado à doação da vida para que esta seja plena em todos;

– o compromisso com os valores do reino de Deus é o que nos torna verdadeiramente cristãos participantes da vida divina.

 

 

* Ir. Aíla  Luzia P. Andrade  é  Mestra e Doutora em Teologia Bíblica pela FAJE – Faculdade Jesuíta de filosofia e Teologia de Belo Horizonte – MG.

Voltar ao Topo